23.3.22

Malditas sucessivas crises ('Cantos contos' 4)








—Necessito outro... — tentou achegar-se o uísque para reencher o seu copo.

—Ti o que necessitas é ir parando o carro, Manu, que te estás passando. Nunca te tinha visto tam bêbado, e isso que aquela vez que pechamos o bar em Anovelho nom podias nem pôr-te em pé —repreendeu-no separando a garrafa do seu alcance.

—Por isso sempre bebo sentado! —exclamou molesto arrincando-lha das maos. 

Derramou parte do seu contido por fora, apesar de que procurava manter a sua mao o mais firme possível, o outro suspirou e pediu-lhe com um gesto que lhe deixasse botá-lo a el. Parou na metade do copo e levantou-se na procura de gelo, quando menos tentaria rebaixar-lho um pouco.

—E rara vez o fás, meu, isto é umha novidade... —o tintineio dos blocos de gelo ao golpear o vidro ressoarom no local vazio.

—É que nom o entendes... — murmurou apesarado.

—Claro que o entendo, home! 

O seu elevado tom surpreendeu tanto a Manu que alçou a vista da sua bebida, reconheceu na sua olhada a compreensom atingida após tantos anos de trato e assentiu convencido. Volveu sentar apoiando-se no seu ombro, apertando-lho antes de continuar, atenuando o volume da sua voz:

—Como nom vou entender que che afete algo semelhante... nom seríamos humanos se no nos afligisse! Desde quando conhecemos ao Xocas? Desde hai bastante mais dumha década, penso.

—Si, começou a parar por aqui antes de ficar sem emprego… —Manu sopesou a sua resposta, coa mente atrapalhada polo álcool ralentando o seu discurso—  Assi que, si, desde o 2006 polo menos! 

Deu um pequeno grolo e removeu o copo para que se fossem diluindo os irregulares pedaços de gelo, Xavier estava no certo, melhor ir baixando o ritmo. 

—Sabes que é o que mais me amola? —perguntou Xavier servindo-se um dedo de uísque, ao tempo que Manu o observava em silencio à espera de que continuasse— Que nom podamos fazer nada. Nadinha! Bem sei que as nossas coletas entre os clientes habituais já nom som o que eram… quem mais quem menos, ninguém está para dar moito, que bem falha que nos fai a todos até o último euro! Ora bem, nem rascando o peto e reunindo todo o que pudéssemos numha coleta das nossas, chegaria para pagar umha soa letra da hipoteca…

Bebeu todo dum trago, trás abanar a cabeça com raiva, e fechou os olhos ao sentir a queimaçom na garganta. Permanecerom calados uns instantes, meditabundos, coa olhada perdida nalgum ponto indefinido do estartelado mobiliário que os rodeava. Até que Manu reparou no relógio que lhe ofertara ao inaugurar o seu local o representante dumha conhecida casa de gasosas sita na bisbarra —quebrada havia decénios—,  e ranhou na orelha preocupado.  

—Será bem que me ponha a recolher o que ficou ciscado por aí, num par de horas tenho que estar servindo os cafés da manhá, e a ver se se me vai aclarando a cabeça um pouco antes de meter-me em faena.

—Deixa-te estar, já me ocupo eu de limpar as mesas, que sei de sobra o que hai que fazer. Do de detrás do balcom já te encarregarás ti quando se che passe o enjoo... 

A repentina gargalhada do outro surpreendeu-no gratamente, era a primeira vez que o escoitava rir nos últimos dous dias. Desde que souberom que à filha do Xocas —a que marchara a Vigo para tratar de sair adiante— iam despejá-la do seu andar com dous cativos pequenos ainda por criar. E ainda por riba o seu pai nom tem onde acolhê-los, durmindo como dorme nas ruínas da nave desmantelada onde trabalhava antes de que a empresa fosse a pique.

—Se espero a que se me passe, nom abro o bar nem a meio-dia…

Comentou Manu afastando a cadeira para atrás co galho de incorporar-se, mas perdeu o equilíbrio na tentativa e —de nom ser polo seu amigo— teria acabado no cham.

—Olha que és teimudo! —exclamou ao tempo que o sostinha no ar a duras penas— Que já me amanho eu, ho! Ti espera polo menos umha hora mais, que entre os dous rematamos despois o que falte por aqueloutrar. 

Nom lhe chistava moito o conto, mas ao sentir umha nova ondanada de náuseas preferiu ficar sentado, se vomitava ali mesmo ia haver ainda mais por limpar. Xavier retirou os copos e a garrafa de uísque, e a Manu já nom se lhe ocorreu impedir-lho. Observou-no a recolher com moito tino os restos das consumiçons espalhados polas mesas e, no intre, deu-se conta de que nem sequera lembrava quem foram os últimos clientes da noite. 

Tampouco como começara a beber com Xavier, um capataz da construçom reconvertido em professor de autoescola a raiz da primeira das malditas sucessivas crises que levavam sofrendo nos últimos vinte anos. Pensou nel como um bom home, um verdadeiro amigo a essas alturas, despois de tantos cafés que lhe tinha servidos, aparte das inúmeras conversas enfiadas entre cerveja e cerveja —que se tornavam mais íntimas à medida que os seus olhos faiscavam polo efeito do álcool—. 

Divorciado e com duas filhas a estudar na universidade, partia o lombo ao volante para que às moças nom lhes faltasse de nada. Era umha mágoa que o seu matrimónio nom superasse ser posto a prova, durante o período do confinamento por mor da Covid-19. Em realidade nom se explica como chegou a separar-se da mulher que ama, porque se lhe nota de longe que segue querendo-a como o primeiro dia, ou mais ainda, apostaria o que fosse. 

—Cousas da vida, meu… —foi a única resposta que obtivo em confiança dum amuado Xavier, que enrugou a testa em sinal de desconcerto. 

E a Manu nom lhe parecera ajeitado aprofundar na ferida, já que —cada vez que saía o tema da boca dalgum dos assíduos do bar— o seu amigo terminava por beber mais do devido. E nom deviam —ningum deles—, por moitas crises que se lhes amoreassem, que bem caro che está o álcool com tanto imposto! E el precisa de clientes que venham a diário, nom que se lhe arruinem num só dia. 



by Eva Loureiro Vilarelhe