21.12.23

Averno nom inverno si ('Quatro' 10)






E finalmente chega

nem tam frio

nem tam temido

este inverno esguio

que ora nos anega

ora venta com brio

neste inverno espilido

chove horas a fio

assulagando a minha pena

será o último a estar vadio?


O clima muda

nom só os tempos e as vontades

muda a terra

a nossa terra há demudar

antes do que pensardes

aquece o planeta!


E ao final há despejar

oxalá mais frio

jamais temido

aquel inverno esguio

onde outrora neva

agora vazio

aquel inverno espilido

co que me identifico

livre de dilema

averno nom inverno si ho



by Eva Loureiro Vilarelhe




25.11.23

Livre ('Figa' 1)








Livre

quero-me livre

livre para ir e vir

livre para ir de festa

livre para vir de madrugada

livre para levar e trazer

livre para levar mini-saia

livre para trazer a quem quiser

livre para pôr e tirar

livre para pôr eu os limites

livre para tirar a roupa ou nom

livre para escolher e rejeitar

livre para escolher estar contigo

livre para rejeitar que me controles

livre para entrar e sair 

livre para entrar onde quiser

livre para sair coas amigas

livre para falar e calar

livre para falar com quem quiser

livre para calar com quem estivem

livre para afrontar e evitar

livre para afrontar quem és em realidade

livre para evitar que me subestimes

livre para acabar e começar

livre para acabar a nossa relaçom

livre para começar umha nova vida

livre

quero-me livre

quero-me



by Eva Loureiro Vilarelhe




9.11.23

As fragas ('Quatro' 9)







Salgueiros cantareiros

regam de folhas os carreiros


amieiros rebuldeiros

mantenhem vivos os lameiros


cogumelos arteiros

germolam em troncos e outeiros


felgos aventureiros

inçam o chao dos comareiros


carvalhos menzinheiros

deitam landras pandeireteiros


vetustos castinheiros

arreganham os ouriceiros


milenárias heras

tapizam as fragas galegas



by Eva Loureiro Vilarelhe





27.10.23

Colheita ('Quatro' 8)







Uvas e castanhas mais cabaças

cálidos sabores cintilantes

acatamos a premura da noite


avelainhas acudindo à luz

almas em fuga da morte

respeitamos tradiçons passadas


santos todos os pagaos dantes

Marias agora virgens da cruz

acedemos a celebrar na mesma


vendima e magosto mais Samaim

vai remantando a colheita

gorentamos cheias as despensas



by Eva Loureiro Vilarelhe





9.10.23

Perdida ('Cantos contos' 8)







Cancelo cantarola por baixo, assi mansinho e com moito aquel, como só el fai e mesmo sem reparar nisso. As vezes que lhe perguntou que era o que estava a entoar, olhou para ela estranhado.

—Quem eu? Eu ando a cismar nas minhas cousas, mais nada, Vilela, nom me venha com andrómenas.

Andrómenas. Linda palavra. Só lhe sentira à avoa usar semelhante expressom. Cancelo é o mais veterano da Companhia, ela a primeira agente infiltrada. Nem bem recebida nem moi estimada pola maioria dos vigiantes do Centro Comercial, que a consideram demasiado nova e inexperiente para o caso. Mas o caso é que ningum deles tem acesso ao seu expediente policial e, portanto, desconhece a sua dilatada trajetória em delitos sexuais. Para além disso, Cancelo é o único que entende os motivos que levaram a semelhante extremo. Os assaltos som cada vez mais frequentes nesse tipo de estabelecimentos —el mesmo salvara por pouco a umha cativa de treze anos que pretendiam forçar entre três menores—. O mesmo lugar de reuniom considerado seguro nom hai moito —precisamente por contar com segurança privada— agora começa a ser temido a partir de certas horas. Daí que o alarme social derive numha presença policial alternativa. 


A agente Vilela trata de estar atenta perante o tumulto de adolescentes que se arremoinha polos corredores e nas salas de jogos. Nom ter perspectiva dificulta a sua missom, daí que confie nos olhos de Cancelo —situado no patamar—, quem lhe transmite polo intercomunicador as suas suspeitas, se visualizar potenciais atacantes. Polo momento só canta para si —inconscientemente—, como sempre fai quando está alerta. As duas semanas que levam trabalhando juntos ajudam a conhecer os costumes e manias do companheiro. Vilela prefere que os seus turnos coincidam. Consciente —ela si— de que nom é tanta a coincidência, o supervisor da Companhia —sabedor da reticência do resto de subalternos— opta pola via fácil: o raposo velho saberá actuar sem alvorotar o galinheiro. A colaboraçom co Corpo de Polícia por parte da Companhia nom quedará em entredito, Cancelo responderá ante el caso contrário. Mas o caso nom chegará a tal, Vilela —por moi nova que seja, e já nom o é tanto como aparenta— é quem de ganhar-se a confiança dum home honesto e serviçal. 


A essas alturas Cancelo agradece que a rapaza —como el a denomina perante o supervisor— esteja por ali, ela chega a lugares aos que el tem o acesso vedado. Aliás ter essa pinta de adolescente, assi como vestir como umha, ajuda-a a confundir-se coa rapazada. Na sua mente segue moi presente que estivo a piques de chegar tarde de mais. Ainda lembra a cara de pânico daquela cativa quando arrombou a porta do lavabo de senhoras que tinham trincada aqueles três… degenerados! É o mais suave que pode dizer sobre eles. Um até devia ter os mesmos anos do seu filho mais novo e estivo a ponto de partir-lhe o nariz dumha labaçada. Contivo-se a tempo. Tem moi claro que de chegar a pôr-lhes umha mao enriba empapelam-no a el antes do que a eles. E se por el for eles nom sairiam do caldeiro até alcançar a sua idade. Já está mais perto dos sessenta que dos cinquenta e nunca tanta baixeza moral tem visto até o de agora. Bem é certo que dantes tampouco se publicitava tanto como agora. E é bom que se saiba, e que as mulheres nom calem como outrora. 


—Às suas onze, Vilela, por trás do grupo mais numeroso, para mim que aquela meninha do vestido azul anda perdida.

A agente Vilela percorre os escassos cem metros que a separam da pequena —Cancelo troca a melodia tradicional por umha ladainha, comovido pola sua fragilidade—. Está desorientada. Esfrega um olho e tem o peiteado descomposto por trás, como se acabasse de erguer-se da sesta de meia tarde. O vestido é moi curto, desses primorosos com moitos volantes e bombachas a jogo por baixo. Vai demasiado fresca para a época, mesmo para o interior do Centro Comercial, bota em falta quando menos um casaco.


—Como te chamas, linda? —interpela-a com delicadeza.

A cativa nom se assusta, mas olha para ela com indiferença. Deve ter uns três ou quatro anos como moito.

—Com quem estavas, cos teus pais? Cos avós? —insiste tocando-lhe a testa.

Demasiado quente. Semelha estar baixo os efeitos dalgumha medicaçom. Tem a cara vermelha e transpira febril. Entom repara no seu pescoço.

—Dou aviso para que tentem localizar aos progenitores ou algum familiar por megafonia? —intervém Cancelo atento a Vilela ajoelhada ao pé da nena.

—Ainda nom, dê-me um minuto, Cancelo, algo me di que nom se perdeu.


A agente nom as tem todas consigo e examina-a a consciência. As marcas arredor dos pulsos, no pescoço. Talvez drogada. Em claro contraste cos bonitos laços azuis das tranças e a roupa impoluta. Um arrepio percorre-lhe as costas ao lembrar aquel maníaco que fotografava coa mesma indumentária a todas as suas vítimas. Na sua declaraçom afirmou que eram as suas bonecas. Polo tamanho dos vestidos nom andava moi desencaminhado. Colhe a mao da cativa —que nom opom resistência— e incorpora-se disposta a aprofundar no assunto. Antes de lhe dar tempo a informar a Cancelo, repara num home que está a olhar para as duas. Él el, nom hai dúvida. El tamém sabe que o sabe e bota a correr no intre.


—A todas as unidades, presunto pederasta em fuga: —exclama trocando o intercomunicador pola rádio policial,  procurando a toda costa nom perdê-lo de vista— varom, metro oitenta, quarenta anos, cabelo castanho claro, caçadeira de coiro negra e jeans —Cancelo sente náuseas e o seu canto cessa—. Dirige-se à saída norte do Centro Comercial a pé, mas nom descarto que tenha um automóvel fora —o que daria Vilela nesse momento porque houvesse umha patrulha rondando pola zona, tal como solicitara como efeito dissuasório—, desconheço se é perigoso ou vai armado! —Cancelo baixa canda elas tam rápido como pode— Solicito umha ambulância!


A meninha olha para as luzes de cores ensimesmada. Continua sem reaccionar como é devido aos estímulos mas tem as constantes vitais estáveis, segundo lhes asseguram os sanitários. Vai ser trasladada ao hospital e Vilela decide acompanhá-la. Cancelo prega-lhe que o mantenha informado, prefere saber, mesmo sabendo que despois terá pesadelos co que lhe conte. A sua filha tamém levava tranças de pequena, sente um peso no peito que lhe impede respirar com normalidade. A agente nota a sua ansiedade.

—É um milagre, Cancelo, que espertasse do letargo e conseguisse fugir, um milagre, asseguro-lho. Tivo moita sorte de que a encontrássemos nós antes que el —o vigiante assente incapaz de articular palavra—. É questom de tempo que o encontremos, nom se apure: temos a matrícula, as cámaras, e as testemunhas que virom sair à nena da sua furgoneta. 


Vilela mostra-se otimista, para variar, de tam consternado que o vê. Como explicar-lhe que rara vez conseguem dar com eles, que desaparecem sem deixar rastro e voltam-se mais precavidos despois de um descuido de semelhante calibre. A essas alturas já terá abandonado o veículo e estará mudando de aspecto e de identidade, se nom saindo do país. Em quanto a ambulância marcha, Cancelo regressa ao seu posto. Polo caminho tecla no telemóvel. “Avisa aos cativos para jantarmos este sábado, eu ocupo-me do churrasco. E que nom falte Marcela. Se trabalhar até tarde esperamos por ela, que hai semanas que nom estamos os cinco juntos.”  



by Eva Loureiro Vilarelhe




21.9.23

Midas ('Quatro' 7)






Cálidas paisagens

augurando a queda

da folha


Cabelo alaranjado

olhos castanhos

sorriso vermelho

crepitando arreu

baixo os nossos pés


O verdor amarela

o outono enleia

aprendiz de Midas

convertendo em ouro

todo o que nos rodeia


Setembro um outro

bem-vindo seja o rei

da decadência 



by Eva Loureiro Vilarelhe