31.3.23

Astronauta ('Cantos contos' 7)









De cativa já era bem espilida. Ou isso costumava dizer seu pai, mentres a mai assentia orgulhosa da inteligência natural da pequena. A sua curiosidade levava-a a olhar o mundo que a rodeava com ilusions renovadas cada dia. Se umha flor abria as pétalas, ela aplaudia entusiasmada. Se o vento revolvia o seu cabelo, ela dava saltos de alegria. Se um pássaro voava, ela pretendia que a levasse consigo. Daí que lhe desse por investigar como seria possível abranger a imensidade do céu, infinito aos seus olhos de nena. Começou pois a fabricar artefactos para consegui-lo, cada qual mais engenhoso e imaginativo que o anterior. Seu pai coçava a cabeça quando lhe ensinava os seus novos projetos de aeronave.

—Esta nena está sempre a argalhar algo… —comentava sorrindo assombrado— de maior chegará longe!  

—De maior quero ser astronauta! —exclamava ela convencida.

—De maior hás ser o que quiseres, sempre que te esforçares nos estudos —repetia incansável sua mai. 


Nom tal, pensou para si ensimesmada, lembrando a litania materna enquanto esperava polo verde do semáforo. O veículo mais sofisticado que conduzo é a minha bicicleta com motor solar de fabrico caseiro, rosmou sem reconhecer-se o mérito de tê-la construído ela mesma com materiais de refugalho. A tarde caía mas o ar ainda vinha quente, e a claridade latente graças à mudança de horário agradecia-se à hora de voltar para a casa. No horizonte limpo de nuvens alviscou a silhueta da lua crescente, transparente a causa da intensa luminosidade do astro rei ainda presente no firmamento. Estava linda a lua. Quantas vezes sonhou com caminhar pola sua cara oculta! Com visitar os anéis de Saturno ou atravessar a nebulosa de Órion coa sua nave, capaz de viajar a anos luz de distância em meses ou mesmo semanas. 


E em lugar disso está em plena semana de avaliaçons, desejando que as férias da Páscoa a liberem de adolescentes em plena efervescência mental, mais a consequência das hormonas do que das suas ideias. Meteu a bici no portal e subiu os chanços de dous em dous, nem pensar em aguardar polo elevador coa fame que tinha. Direta ao frigorífico, colheu a cunca de leite vegetal repleta de sementes de chia e froitos secos e —só despois de meter umha boa culherada— saudou de boca cheia. A sua parelha palmeou no sofá pechando o livro que estava a ler, instando-a a sentar ao seu carom. Deixou-se cair derrengada descalçando-se a um tempo. Reparou na peúga furada pola que assomava parte da deda e estalou a língua molesta, nom tinha paciência para essas cousas.


—Encargo-me eu de zurzir, nom te apures… —sussurrou roçando-lhe as têmporas cos lábios— Seica lhe estás a chuchar todas as forças à tua mai? —dirigiu-se à sua barriga inchada acarinhando-a.

—É polo estresse da reuniom, tanta pressa para corrigir os exames, acertar coas qualificaçons, ja sabes… e levo o dia enteiro esfomeada, que queres?! Nem pensar em comer qualquer porcaria da cantina! 

Olhou-na compreensivo e —consciente de que havia algo mais— ergueu umha celha interrogante. Ela encolheu-se de ombros sem dar o braço a torcer e el insistiu paciente, torcendo ainda mais o seu sorriso. Afinal claudicou com um gesto, mas nom falou palavra até ter arrebanhado o fundo da cunca.  


—Como lhe vou dizer que de maior há ser o que quiser, sempre que se esforçar nos estudos se eu…? —rompeu-lhe a voz e preferiu conter-se sem rematar a frase.

—Se ti que? —abriu os olhos sem entender a que se referia.

—Se eu nom o conseguim! 

—Nom me irás dizer agora que nom és umha professora de robótica magnífica, por nom falar dos artigos que che publicam nas revistas científicas mais prestigiosas de…

—Oh, venha, nom comeces! —interrompeu-no incomodada.

—Nom comeces ti! Segues sendo a mesma rapaza esperta e curiosa que conhecim hai anos, mais madura evidentemente, mas igual de imaginativa e valente. Contigo a nossa filha terá à mao o melhor caldo de cultivo para converter-se no que quiser.

—E se quiser ser astronauta coma mim?

—Acabáramos! —exclamou compreendendo por fim.


Obrigou-na a erguer-se do sofá. Ela acedeu de má vontade, el tirando da sua mao para que o seguisse até o quarto que estavam a preparar para a criança. As madeiras do berço ficaram num canto à espera de que se decidissem a encaixá-las, havia algumhas caixas sem abrir dos presentes de familiares e amigos que iam recebendo anticipando-se à chegada da bebé. No entanto, nas paredes recém pintadas já estavam colocados vários quadros, que el foi indicando-lhe um a um. O cosmos na sua imensidom apreciava-se em cada fotografia que ela tinha ampliado e imprimido a toda cor. Achegou-se ao móvel pendurado do teito e abanou as suas fofinhas figuras de veludo. Os diferentes planetas que componhem o sistema solar rodopiárom por perto das suas cabeças.


—Renunciar ao teu sonho por atender à tua família nom te fai menos astronauta, fai-te mais humana… e ser mais ti! Se o teu pai nom tivesse enfermado, se calhar a tua vida teria sido bem outra… mas nom necessariamente moito melhor. Nom cho digo só por egoísmo, sei que nom nos teríamos conhecido se tivesses marchado para os Estados Unidos, mas tamém terias privado a umha boa quantidade de rapazada dumha admirável e inspiradora professora de ciências.

Ela entornou os olhos em silêncio. Detestava quando tinha razom e nom lhe apetecia dar-lha. Mas estava no certo, ela seguia levando umha astronauta dentro de si —e, quem sabe, se calhar outra latente no seu ventre!— por moito que no seu dia nom se tivesse incorporado à NASA. Deu-lhe um abraço ladeado, o seu avultado abdome de sete meses já nom lhes permitia abraçar-se de frente. El aproveitou para beijá-la e ela separou-no daí a pouco de maneira um tanto intempestiva.


—Promete-me umha cousa! —el assentiu mesmo antes de que continuasse e ela insistiu veemente— A sério, venha! —assentiu de novo com cara de circunstâncias e ela sorriu divertida— Venha, ho, promete-me que vás vir prová-la comigo, em quanto tenha lista a nave espacial que espero construir algum dia. 

—E daquela que fazemos coa pequena? —perguntou exagerando a sua expressom de alarme. 

—E logo, pensas que nom vai ser a primeira em querer experimentar?

—Como nom! Se sair a ti será ela quem nos leve a dianteira… pensando-o bem, nom crês que será melhor que lhe montemos um foguete em lugar do berço? 

As gargalhadas de ambos ressoárom no edifício. 



by Eva Loureiro Vilarelhe



21.3.23

Prima Vera ('Quatro' 1)






Olhos verdes de sapa

saltitantes de curiosidade


face alegre e rosada

brilhante sorrir de mocidade


com tal feliz idade

moça belida e fermosa fada


cabelos cor de terra

encaracolados ao ar à solta


longos dedos tal que hera

vam germolando todo o que tocam


venham ver venham fora

já chegou —por fim— a prima Vera



by Eva Loureiro Vilarelhe