31.1.21

Espera ('Em suspenso' 5)






Boquejo como peixe fora da auga

boquejo com sono diante da televisom

boquejo de vagar roçando o teu ventre

boquejo arredor do teu membro erecto

boquejo satisfeita após a êxtase

boquejo palavras de amor que nom ouves

o sofá abafa o meu sonho abruptamente  

boquejo como peixe fora da auga

esta maldita e agoniante espera 

tira de mim a vontade de viver 



by Eva Loureiro Vilarelhe


30.1.21

Desperdiçado ('Em suspenso' 4)






O tempo é como as minhas peúgas

como as elásticas das minhas peúgas

melhor dito

ao princípio apertam

deixam marca e até molestam

por falta de hábito


Sucede ao contrário

quando já vam moi usadas

deformadas e confortáveis

nom as sentes e estás à vontade

até que tés que trocá-las por outras

e entom botas de menos as anteriores

aquelas que che permitiam mover-te

com plena liberdade

e mesmo esquecer que estam aí


Pois isto igualinho aconteceu co tempo

aquel que passamos sitiados nos nossos lares

tardamos demais em afrouxar as rédeas 

e sempre nos arrependeremos

por nom o ter desperdiçado moito mais

até convencer-nos de que nom existe



by Eva Loureiro Vilarelhe




29.1.21

Alarmante ('Em suspenso' 3)







Sorrio ante o colapso da bolsa

ironicamente

o labor dos trabalhadores cotiza à alça

fábricas pechadas e ruas abandonadas

tranquilamente

lemos as notícias desde o sofá

preocupados por queimar calorias

e exercitar músculos atrofiados

olhos cansados da mesma paisagem

quotidiana entre quatro paredes

resistimos aflitos ante o alarmante

número de falecidos que de imediato 

fulmina

qualquer mínimo vestígio de sorriso



by Eva Loureiro Vilarelhe




28.1.21

Soa ('Em suspenso' 2)








A janela como via de escape

de desabafo e de fronteira

circunscrita ao horizonte de edifícios

o céu empapa os vidros

enquanto a minha cara fica seca

por dentro afogo em lágrimas

acordes à choiva miúda que sinto fora

mansinha e doce anegando a cidade

e eu jamais me sentim mais soa

mais longe de ti e de todo

nem mais livre para pensar



by Eva Loureiro Vilarelhe




27.1.21

Em suspenso ('Em suspenso' 1)



Poemário dedicado ao ano 2O2O

por oferecer-nos a oportunidade

(que seguramente desaproveitaremos)

de mudar de vida





Ainda bem que sempre existe outro dia.

E outros sonhos. E outros risos.

E outras pessoas. E outras coisas.


—Clarice Lispector





Rumos contrapostos

Olhares cruzados

Meses afastados

Amor em suspenso



by Eva Loureiro Vilarelhe