Mostrar mensagens com a etiqueta nacos. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta nacos. Mostrar todas as mensagens

9.6.25

Aranha ('Nacos' 14)







Por umha zona pouco transitada

num escuro canto quase tropeço

e logo vejo inerte àquela aranha

revestida com asas de morcego


abatidas polo ar intempestivo

da primavera incerta que estou a ter

e sem ser exclusiva minha advirto

certo rancor contra mim sem querer


ou querendo quem sabe quem ordena

chover sem trégua e após escampar

deixando detrás tam revolta a terra

que custa um mundo se recolocar


umha mesma refiro-me na mesma

como a lesma que o mundo anda alterado 

de altercado em altercado e eu seresma

oxalá for a aranha daqui ao lado



by Eva Loureiro Vilarelhe





23.4.25

Chamai-me desastre ('Nacos' 13 )










Percorro o caminho empedrado

andando a trancos e barrancos

sementar infelicidade 

é a minha especialidade

a inutilidade da vida

comigo à vontade fica

se se tratar de urucubaca

de mau olhado ou mera desgraça

nom saberia responder

nem nada hai que poda eu fazer

calamidade é o meu outro nome

desdita o meu alcume e catástrofe

o apelido mas chamai-me desastre



by Eva Loureiro Vilarelhe




19.12.24

Sono ('Nacos' 12 )







Estou sempre com sono

sono que nom sonho

—nom confundir prega-se—

sonho moito e tamém em sonhos

por mor da falta de sono

que diríamos a posteriori

de analisar a situaçom 


Hai animais cujo

período de letargo

dura até nove meses

a gestaçom dum bebé

numha piscadela de olhos

pechar os olhos e esvaecer

a semana de pesadelo

o mês a esquecer

até o ano estragado

dantes julgava que era

perder parte da vida

agora acho umha quimera

evaporar boa parte dela

a sonhá-la doutra perspectiva


Andai com olho intrusos 

—categórica até sangrar—

nunca esqueço umha face

e a saber se vou me vingar

coa escusa da falta de sono

que diríamos a posteriori

de analisar a situaçom 



Eva Loureiro Vilarelhe




7.8.23

Co punho em alto ('Nacos' 11 )










Despois de ser mai descobrim que sigo a durmir como um bebé. 


Tanto no fundo 

                 —intermitentes intervalos de insónias— 

     quanto na forma.

 

Umha fotografia junto ao meu filho mais velho recém-nascido testemunha. 


Ambos com idêntica pose relaxada que só nos confere o sossego do sono.

 

O seu cabelo em ponta, 

o meu alvorotado por riba da almofada.

 

Os dous co punho em alto. 


Evocativa síntese da minha atitude perante a vida: 

sonhadora e reivindicativa. 





by Eva Loureiro Vilarelhe



 


27.1.23

O dia que me amares ('Nacos' 10)






O dia que me amares

hás de marchar

—Como dis?

O dia que me amares

hás de marchar

—Nom o entendo

O dia que me entenderes

hás de marchar

—Prefiro ficar en nom perder-te logo

Hás de marchar

e prefiro

—Que marche?

Que valeu a pena te conhecer



by Eva Loureiro Vilarelhe





15.8.22

Pestanejo ('Nacos' 9)








(ecoando-me a mim mesma)




Por vezes digo certas cousas 

tam cruamente que me assusto

nunca me cheirou bem a carne fresca

mas nem falar de fazer-me vegana

porém nem pestanejo 

perante umha ferida aberta

tremenda vontade de meter o dedo

de embadumar-me de sangue

e enjoar co cheiro a ferrugem


Por vezes enfadam-me certas cousas

tam iradamente que me asusto

nunca me reparei parelha a el nisso

mas nem falar de renegar do pai

porém nem pestanejo

perante o vazio que deixou

tremenda vontade de recuperá-lo

de trazê-lo de volta comigo

e enjoar co cheiro a fuligem



by Eva Loureiro Vilarelhe





13.12.21

Os anos ('Nacos' 8)









Os anos nom som só cabelos brancos 

rugas e olhos cansados 

os anos manifestam-se sobretudo na alma

coraçom 

sétima circunvoluçom do cérebro 

consciência 

ou como queiram chamá-la 


Os anos criam ao redor dela umha costra oleosa 

interessante cientificamente qual óvulo 

onde esbaram as saetas 

que dantes tam profundamente incidiam 

e apenas a alcançam aquelas que encontram o seu ponto 

fraco 

fecundando-a de sentido 


Si, sentido 

que parece recobram os jovens 

caminhando decididos a patinar nas pegadas experientes dos anos 

e daquela caem na conta 

que maravilha o vivido por viver 

e o sabido sabido 

—Achas? 


Se o emocionante é cair? 


Nom, melhor é erguer-se 

ainda com mais força 

ainda em quente 

sem sentir a dor 

que o frio dos anos faz sentir 

de todas as quedas da vida 

e daquelas que podam faltar 


—Falas dos anos que nom tés 

nom viveste nem conheces 

Só falo daquilo que penso 

já verei o que baralho quando os tiver 

—O quê vais ter… 

eles terám-te a ti! 

E ti como o sabes?! 


—Nom o sabia 

dixo-mo o olhar dessa velha cega 

que me trespassa e sorri 

pois conhece o assunto que tratamos 

Olha que inventas! 

—O mesminho ca ti 

ou é que nom vês o atrapada que ela está? 


Estás ti ela voa 

ou nom o sentes? 

(Breve lapso de reflexivo silêncio) 

—Sinto estarmos a malucar aqui as duas… 

(Rolda de gargalhadas

seguida de um abraço cúmplice) 

Nem que tivesses algo melhor que fazer! 


(E ao nom responder outorgou) 



by Eva Loureiro Vilarelhe




7.11.21

Como som ('Nacos' 7)









Às vezes digo cousas tam cruamente que me assusto

nunca me cheirou bem a carne fresca

se calhar por isso prefiro comer verdura

todavia nem pestanejo ante umha ferida aberta

como som decididamente omnívora


Crudívora deveria talvez dizer

porque gosto das cousas como som

sem lenitivos nem panos quentes

sem cozinhar nem moito menos deglutidas

de nojo jamais hei enrugar o nariz 


Ou si que o enrugo nalgumha ocasiom

mas perante as cousas que nom me convencem

a cor de rosa nom vai comigo já digo

atende se pretendes entrar na minha dimensom

e desvendar como som de virtual



by Eva Loureiro Vilarelhe




21.9.21

Cousas pequenas ('Nacos' 6)











Ela botou em falta a carícia

quando os dedos del voltarom à folha de jornal


Composiçom de lugar:

final de um dia tam duro como qualquer de entre semana

ela trisca numha cenoura corrigindo exames cos pés em cima da mesa

el revisa as notícias passadas sorvendo a infusom junto aos pés descalços dela

demasiado cansado para preparar umha ceia em condiçons

demasiado ocupada para preocupar-se polas queixas do seu estómago 


Situaçom sentimental:

por vezes nem lembram quantos anos levam de convívio

rotinas estabelecidas desde há milénios

éons de tarefas domésticas sobrelevadas a médias

o tempo que se escapa sem deixar tempo para mais nada

onde fica o amor a estas alturas?


Na atraçom mútua

na impossibilidade de nom tocar-se estando perto

na preferência acomodatícia das consabidas posturas

na serenidade que transmite reconhecer a pele do outro


O contato

umha dessas cousas pequenas tam necessárias ainda para a vida



by Eva Loureiro Vilarelhe