25.11.21

Aquel filho ('Cantos contos' 2)








Se nom perdesse aquel filho todo seria diferente… Já deve ser tarde. Sempre a cismar no mesmo! Deixa estar o filho. É hora de erguer-se e acender o lume. A claridade da janela nom é moita porque o dia está escuro, e frio. Tenho ganas de ficar um dia enteiro na cama. Sindo já deve estar em pé a esperar por mim. Podia fazê-lo hoje. Digo-lhe que estou enferma e fico na cama o resto do dia. Total para o que hai que fazer… Deixo-me estar na cama. Hoje nom tenho ganas de fazer nada. O resto dos dias tampouco fago moito mais. Mas assi polo menos vario de posiçom. Nom fago nada deitada. Em horizontal, em lugar de em vertical. Menuda parvoíce! 


Já é dia. Sindo vai vir procurar-me. Vai vir ver se estou bem. Coitado. Direi-lhe que acenda a lareira, com coidado de nom queimar-se, que estou cansada e que me ergo mais tarde. Ainda nom sei como fai o que fai… Tampouco sei o que foi que me dixo que queria para o jantar. Onte decidimos algumha cousa, mas nom consigo lembrar. Ainda hai algo de caldo de onte. Penso que tinha em mente aproveitar a carne cozida. Nom sei, já verei. Ole a café, deveu aquecer o que sobrou da tarde. Espero que nom o fervesse. É estranho, nom tenho fame. Está-se quente aqui. Chove a eito. Mamai gostava tanto da choiva… passava o tempo todo a olhar pola janela mentres chovia. 


Eu gosto de escoitar como bate contra os vidros. Quanto mais forte mais se me arrepia o corpo. Sindo do que gosta é das saraivadas. Vai todo apressado recolher as bolinhas em quanto escampa, e joga com elas sorrindo como um meninho. Ainda me lembro del de cativo, o nosso irmao mais novo e bem parecido... Tinha um sorriso tam doce que nom se notava nadinha que era tam parvo. Agora vai velho, e está igual de feio e torpe que os demais. Parece mentira como passam os anos… parece que foi onte quando perdim o meu filho, e já logo vai para sessenta anos. Bem, ainda nom, cinquenta e cinco em setembro. Os meus dezassete anos, quem mos dera… mas sabendo o que sei hoje. Nom voltei estar com outro home. E quando me apeteceu já era tarde demais. A parva som eu! 


Ainda que o certo é que pouco ia ganhar estando com homes. Meu filho nom ia voltar por isso. Sempre a barrenar no mesmo. Já me dirás como havia mudar a minha vida cum filho! Nom sei… igual já nom estaria eu aqui soa a coidar dum pobre apoucado. Melhor umha pequena. As mulheres sempre ficam na casa. Fosse preferível nom perdê-lo, despois de passar a vergonha. Nunca dixem de quem era. Para que? Para ver a meu pai tragar o orgulho, como quando foi onda o moço da Pura dizer que havia um pequeno? O rabudo aquel nom reconheceu diante dos seus que lhe enchera a barriga à minha irmá mais velha. Papai, cheio de carrage, dixo que vinha por ela e nom pedir cousa algumha, que um cativo na sua casa criava-se coas faragulhas da mesa. 


Nom. Preferim nom voltar vê-lo passando por aquilo. E afinal tampouco houvo necessidade. O pequeno nom naceu. A tremenda malheira que levei como castigo por ficar prenhe acabou de vez coa prenhez. Eu desaparecim mais dumha semana. Maçada coma um polvo, mandei recado à casa de que fora visitar os tios da Nogueira, e que ficava onda eles uns dias para ajudar a apanhar nas patacas. A prima Aurora tivo-me escondida no celeiro e salvou-me a vida, ao vir canda mim à noite coa velha das ervas. Coa de paus que levara, bastante me custou atravessar o monte por fora dos caminhos para que me nom vissem. E logo nom havia maneira de conter a hemorragia, a velha fijo todo o que sabia, e eu bem via que nom as tinha todas consigo. Fiquei maninha para sempre. 


O malnacido ao que me entreguei jamais me tivo o mais mínimo afeto. Moito me doeu reconhecê-lo... Moito mais do que a tunda! Por moito perdom que vinhesse pedir-me despois. Umha vez recuperada, eu maila minha figura esguia, tentou fazer-me as beiras de novo. Respondim com umha figa. Home enriba de mim nunca mais, jurei daquela… nem viva e, agora já, nem morta! O pior foi para o meu pobre pequeno… a pequena, prefiro pensar que era umha pequena. E bem foi nom confessar jamais o nome do pai. Nem a porfia da Aurora, raivosa por descobrir quem me batera, conseguiu tirar-mo da boca estando eu desvairando pola febre. Para que? Ia isso devolver-me o meu filho? Nem sequer que os meus irmaos me vingassem indo trás del merecia semelhante indesejável. 


À minha irmá Pura saiu-lhe bem, criou o seu neno numha casinha que lhe construiu o papai numha das leiras baldias, e o Manel nom casou até ela morrer. Eu nom pedia tanto. O home botou umha morea de anos de moço coa Assunçom e forom pais quase de velhos. O bom é que agora nom estam sós, tenhem um rapaz que se ocupa deles e das terras desde o acidente, e dis que aí lhes vem um neto em caminho... Vou ter que ir pensando em erguer-me. Nom vaia ser o demo que o Sindo se queime, se cadra é por isso polo que nom está ainda a espreitar-me através da fresta do batente. O caso é que me doem todos os ossos se me movo. Que vai ser de nós quando eu já nom o poda atender? Se nom perdesse aquel filho todo seria diferente… 




by Eva Loureiro Vilarelhe