21.10.21

O coelho da Alice ('O coelho da Alice' 7)









Estou com pressa. Como nom me ponha a trabalhar já vou estragar a tarde, que me conheço. Nom tenho tempo que perder. Essa é talvez a sina da minha vida. O coelho da Alice, um afeiçoado ao meu lado. Hai avisos colocados estrategicamente e luzes de emergência acesas polos lugares mais visíveis do meu cérebro, mesmo que nom estou segura de qual é o motivo. A que vem tanto escândalo! Estou com pressa —coma sempre— e devo fazer algo mais —aparte do de sempre—, mas nom sei o que. Só tenho claro que é imperativo que o leve a cabo. 


No entanto, nada me impede observar durante mais de sessenta interminavelmente fixos segundos um pelo minúsculo que destaca na pele macia da minha perna esquerda, sem decidir-me porém a erguer-me na procura da pinça para arrancá-lo daí, porque a sua presença me está realmente a incomodar. Mesmo assi, ando a pensar naquilo que tinha que lembrar sem falta e está a fugir da minha cabeça, já que o maldito pelo —que continua onde o encontrei— está a distrair-me. 


Ando cansada, demasiado cansada. De tanto andar apressurada, principalmente. Nom tenho tempo para lamúrias, nem moito menos para pelos indecentes que aparecem em momentos inadequados. Estam a bater à porta. Acordarei agora deste letargo a seguir ao jantar que tanto detesto, porque parece que derrete a noçom espaço-temporal em que vive instalado o ser humano capitalista de... ocidente? (sempre tivem problemas cos pontos cardinais, mas um inato sentido da orientaçom co que consigo nom perder-me nunca, e menos de mim mesma). 


Será o carteiro? Nom, que só vem de manhá. Em realidade é mulher, mas sempre di: carteiro. Compreensível o motivo. Nom abro. Nom tenho vontade de me erguer. Bom, assi tamém arrancava o pelo… Que se lixe! E o pelo tamém. Quero é durmir! Nom, nom podo. É preciso que responda o mail da Paula. Urgentemente. Já estou atrasada de mais! Só agora é que lembrei. Angustia-me encarar às persoas que mais apreço, daí que opte por evadir-me com histórias minhas… Por fim, era isso! Por que será que esqueço o verdadeiramente importante e lembro qualquer tontaria? Ainda bem que bateram à porta… 


Como explicar o que sinto e por que sinto o que sinto? Como fazer-me entender quando nom me entendo nem eu? Como escapar das suas perguntas agora que som diretas e detesto mentir a umha amiga? Como suportar a sua olhada recriminadora  quando veja que nom vai obter as respostas que procura? Como safar-me desta vez sem que a nossa amizade se ressinta? Como afrontar que Paula suspeita o que sucede entre nós ignorando toda a —nossa(?)— história? Como reprimir o meu coraçom dentro do peito quando pula por amar de portas afora? Como suportar a ausência do alvo deste amor que me consome precisamente por ignorar a imensidade da minha paixom? Como…?


“Onde andas? Acabo de passar pola tua casa e nom estavas. Só queria conversar contigo sobre o assunto do meu correio, como nom respondeste…” 


Fatiga-me dar explicaçons. E moito mais por WhatsApp. Co apressada que ando e agora ainda por cima tenho que perder mais tempo com argumentaçons evitáveis. Desisto. Respondo só por e-mail e listo. Co atraso que levo hoje, é perfeitamente entendível que o faga. Mas já viu que eu vim a mensagem, e se nom responder tamém por aqui… Que se lixe! E o pelo tamém! Estou farta de justificar-me. —De depilar-me tamém?!— Bem é certo que, se se fai o que se deve em todo o momento, reduzem-se consideravelmente as oraçons deste tipo que é necessário formular. Mas quem sabe que eu realmente nom figem o que devia e quando? Abreviando, pois! Que estou com pressa…



by Eva Loureiro Vilarelhe