Moura vivia num triste andar alugado polos seus pais. Dava-se bem com eles, mas do que mais gostava era de sonhar com viver pola sua conta. Perto das leiras que rodeavam a sua vila, preferivelmente. Falaram-lhe dum deus, mas tinha outras cousas mais importantes nas que pensar. Nom conhecia um tal Kant, mas compreendia que havia cousas necessárias que deviam ser feitas por dever e sem qualquer condicionante externo. Tinha as suas próprias ideias e projetos. Lia pouco, isso si, porque a cidade co enorme prédio forrado de livros ficava a dous autocarros ou mais de duas horas a pé, e as noites eram escuras.
Cos seus escassos estudos, Moura nom conseguira arranjar emprego. Tampouco parelha —nem falta que lhe fazia—, porque ansiava ser independente. O que tinha era amigas e amigos, todos eles com algo em comum: essa idade complicada, a da juventude. Decidiu falar-lhes claro. Tomarom-na por louca, mas pouco havia onde escolher e forom trás dela até os terrenos baldios junto ao adro da igreja. Nom conservava as janelas a antiga escola que ficou sem miúdos, o telhado figera-se compadre da choiva e convidava-a a entrar na casa. Encontrarom a porta aberta. Moitas luzes nom tinham, mas de seguida prepararom fachos para acender à noite com gestas arrincadas das salas vazias. Essa noite cada um e umha arrimou-se à parede menos suja para durmir, ou ao amigo ou amiga que nom lho impediu.
Limpar a nave toda nom seria difícil, mas precisava de ordem e concerto e algo haveria que argalhar para a consertar. Forom ao rio recolher vímbios, fabricarom cestos e alguém que os precisava deu-lhes telhas em troca, e mesmo emprestou os aparelhos para colocá-las. Umha algo arteira improvisou umha horta onde dantes estava o pátio, um outro com fame foi apanhar na froita caída que lhe deixaram colher, e outros forom pedir as sobras da feira que se nom venderam. Aos poucos, conseguirom romper a estreita relaçom dos últimos anos entre a choiva e o seu compadre. Tocava logo recortar-lhe as liberdades ao vento, para o que forom precisos moitos mais cestos, cânticos nas praças públicas, e oferecer-se a ajudar aos vizinhos que estavam de colheita.
Com vidros e telhas no seu lugar, só restava pintar as paredes e deixou-se para mais adiante, porque ia custar bastante mais reunir todo o que precisavam. A horta levaria o seu a dar para comer e os trabalhos esporádicos para os vizinhos aumentarom, toda ajuda era bem-vinda e, por pouco que lhes dessem por trabalhar, menos dá umha pedra. Três luas e já a escola quase semelhava a que fora em tempos, e nom só isso. Encherom as aulas vazias com teares feitos com material de refugalho, e abrirom umha oficina de costura a fim de obter prendas e peças de enxoval para trocar entre os habitantes da vila, para além dos seus cestos. Já dispunham de colchons de lá e roupa à vontade, e admitiam pedidos pagos com galinhas ponhedeiras, botes de marmelada, ou leite recém ordenhado. Até que conseguirom umha cabra.
Houvo quem apostou por aumentar o rabanho para especializar-se nos queijos, em vista de que tinham moito êxito entre os fregueses. A oferta de mel, de emplastos de ervas medicinais, e de augardente caseiro chegou co correr dos anos e a adquisiçom de experiência. Quando as autoridades decidirom tomar cartas no assunto, toda a vila opujo-se a que os desalojassem da antiga escola abandonada. Se era propriedade municipal, era de todos os vizinhos e vizinhas. E a ningum deles se lhe ocorria empregá-la em melhor cousa que em continuar dando teito àqueles adolescentes que conheceram desde que nacerom, e agora já eram homes barbudos e mulheres feitas e dereitas, com algumhas crianças a maiores entre eles, nacidas ao calor da comunidade.
by Eva Loureiro Vilarelhe