17.11.17

Oda ao chocolate —ou à minha mai que vem sendo o mesmo— ('O coelho da Alice' 3)





    Tenho umha lembrança doce —e nunca melhor dito— calada na minha memória. Lembro que desde pequeno procurava a minha mai nos dias em que estava contente. Nom sei moi bem como é que sabia quando o estava, mas suponho que é esse sentido (sexto?) que se tem para escolher o momento propício de pedir algo a alguém, esperteza, ou instinto de sobrevivência, tanto faz. Nesses dias os meus afagos eram maiores e melhores do que noutros, e tanto era assi que a minha mai percebia finalmente o que queria. 

    Dirigia-se à cozinha comigo atrás e tirava dumha caixa de lata um par de pedaços de chocolate, pequeninos —quase demais—, e mostrava-me como desfrutar melhor do momento. Deixávamos desfazer aquele delicioso pedaço na língua, de olhos piscados, ali em pé no meio da cozinha. A fruiçom de desfrutar a guloseima nom permitia maior dedicaçom que a de piscar os olhos. 

   De seguida, eu queria mais e, apesar da insistência, ela negava-me outro naco de felicidade. Dizia que o bom sabor de boca ainda podia perdurar um par de minutos mais, e que tínhamos que continuar a nos deleitar. O certo é que eu nom entendia por que nom fazíamos aquilo todos os dias. Entom ela explicava o refram conhecido: economizar os bons momentos é saboreá-los melhor.

    Nom sei moi bem como é que me veu agora isto à mente, que quase ofusca a sacudida no metro, perdim o equilíbrio e desnorteei-me um pouco. A moça que está à minha frente ri disimuladamente, e entendo que devo parecer-lhe idiota. Ando com mil cousas na cabeça, os exames estám aí e nem sempre tenho tempo para falar com ela, suponho que por isso a lembrei agora. Decido marcar o seu número e cruzar os dedos, nom sei se a bateria do meu telemóvel aguantará. Ou se ela terá saído dum dos seus cursos sobre nom-sei-o-quê com os que anda ocupada. 

 Mas nom se confundam, esta nom é uma recordaçom piegas do maravilhosa e estupenda que é a minha mai, realmente estou começando a compreendê-la e a conhecê-la um pouco agora. Sei que conhecer alguém leva toda umha vida e, se temos em conta que boa parte dela passamo-la tentando conhecer-nos a nós mesmos, pouco tiramos em limpo dos demais. E —só agora— sei que gosto dela porque nom é que cozinhasse muito bem, nem estava sempre que a necessitava, nem sequera terá entendido todas e cada umha das minhas posturas; mas aprendeu-me a valorizar essas pequenas cousas que podem passar despercebidas, mas que nos dam prazer —efémero talvez—, mas prazer ao fim e ao cabo, que, em definitivo, é o que podemos tirar em limpo desta vida. 


  Sei que ainda som moi novo —e quanto mais cresço mais consciente som dos poucos anos de experiência que tenho—, mas estou orgulhoso de mim por ser capaz de perceber o insignificante dentro do tudo. Quando penso no moito que os demais nos ensinam todos os dias sem dar por isso... e eu só tenho que estar atento para percebê-lo! “Mamai…? Sabes que estivem a pensar em ti…? Nom sei, deu-me por aí, cousas minhas, já me conheces…”


by Eva Loureiro Vilarelhe